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Transtornos de personalidade


Vamos analisar três exemplos com nomes fictícios para entendermos a diferença entre traço de personalidade, transtorno global da personalidade (ou psicopata) e psicopata perverso:

Exemplo-1. Rodrigo Aparecido Contente tem 29 anos. Foi uma criança birrenta, foi bem na escola, tirou boas notas, sempre gostou de futebol e quase foi jogador, não fosse pela sua indisciplina nos treinamentos. Seus amigos diziam que ele era muito ‘esquentadinho’ e ‘ fominha’, ou seja, sempre queria decidir as jogadas sozinho.
Formou-se em direito, adquiriu independência econômica, teve vários namoros, sendo que apenas um durou cerca de dois anos com uma mulher de 35 anos. Tem muitos amigos, é agradável, engraçado, mas não leva desaforo para casa.
Certa vez no trabalho discutiu com uma colega por conta de uma brincadeira que fez e a moça se ofendeu. Ambos se xingaram em voz alta. No dia seguinte, arrependido, pediu desculpas à amiga.

Exemplo-2. Marco Manso Filho tem 32 anos. Teve a primeira infância aparentemente normal, mas no ensino médio não queria ir mais à escola, pois dizia que não gostava dos colegas. Seus pais mudaram-no de escola três vezes; ora eram os colegas, ora a professora, ora as matérias escolares que não lhe agradavam. Não conseguiu terminar o ensino médio. No final da adolescência passava o dia em casa jogando vídeo-game e sendo paparicado pela avó. Quando tinha 24 anos tentou trabalhar como metalúrgico, mas foi demitido após dois meses. Outras tentativas de emprego foram arriscadas, mas sempre com finais parecidos. Dizia sempre que o patrão pegava muito no seu pé.
Nunca seus namoros duravam mais que semanas. Preferia se relacionar com prostitutas. ‘Casar é a forma mais cara de transar de graça’, repetia Marco.
O clima era conturbado em sua casa, devido a discussões e brigas entre Marco e seus familiares que lhe chamavam de ‘vagabundo’ e ‘ come e dorme’.

Exemplo-3. Heloisa do Nascimento Mata tem 28 anos. Foi criada pela tia, pois sua mãe não pode criá-la.
Na época, sua mãe se envolveu com um rapaz que conhecera num forró, engravidou de Heloisa, e quando esta nasceu foi dada a sua irmã (tia de Heloisa) com o pretexto de que arrumara um emprego em outra cidade e voltaria no final de 4 meses. Nunca voltou.
Quando criança, preferia brincar com os meninos e queria ser tratada igual a eles; se precisasse, chamava os meninos para briga. Na escola, aos ‘trancos e barrancos’, terminou o ensino médio. Era inteligente, sempre conseguia arrumar algum dinheiro e aos 19 anos foi morar sozinha.
Com vinte anos dizia que ‘já tinha feito de tudo na vida’. Já tinha bebido, fumado, transado com homens de todas as idades, com mulheres, já tinha traficado droga, se prostituído, roubado, ganhado e gastado muito dinheiro.
Aos 22 anos, engravidou de um homem numa aventura amorosa. Pensou em abortar, mas acabou dando a luz a uma menina. Quatro dias após o parto, numa madrugada em que a bebê estava mais chorosa, matou sua filha sufocada com o travesseiro. No dia seguinte, incinerou o corpo da criança numa churrasqueira que havia no seu quintal.
Aos 26 anos, em outra aventura amorosa, engravidou novamente. Dessa vez queria ter o bebê, já que gostava do pai e estava com ele há quase 1 ano. No final da gravidez, o casal brigou e o rapaz foi embora. Heloisa pariu desta vez um menino, que foi morto sufocado no quarto dia de vida. Também o incinerou da mesma forma.
Agora com 28 anos, Heloisa está novamente grávida, desta vez de gêmeos…

Discussão.
Ao analisarmos o caso de Rodrigo, observamos que, desde a infância, era egocêntrico e queria as coisas do seu jeito. Fazia birra, era briguento, ‘fominha’, indisciplinado e brincalhão. Também era amável e querido, tal como são as crianças. Progrediu na vida, estudando, trabalhando e conseguindo se relacionar sem maiores problemas com as pessoas, como colegas, namoradas e amigos.
Ou seja, a imaturidade de Rodrigo dificulta alguns aspectos de sua vida, seja no emprego ou nos relacionamentos interpessoais, mas não afeta o funcionamento global da sua personalidade. Numa situação de estresse, quando Rodrigo brigou no trabalho, ele discute e xinga, furioso, mas depois, com a cabeça fresca, admite sua culpa e pede desculpas. Assim, Rodrigo tem um traço de personalidade imaturo.
Ao compararmos o caso de Rodrigo com o de Marco, percebemos que Marco também é imaturo. Já no colégio dava sinais que não ia se desenvolver plenamente. Enquanto a maioria das pessoas vai trilhando seus caminhos, ano após ano, na escola, na faculdade, nos relacionamentos, enfim, na vida, Marco assemelha-se a um gado que se desgarra do resto da boiada. Não conseguiu estudar, trabalhar ou se relacionar com pessoas de forma satisfatória. Ele não tem maturidade suficiente para admitir seus problemas. Sempre a culpa é do outro.
Não conseguia se aprofundar nos relacionamentos, preferindo a superficialidade do sexo vendido pelas prostitutas. Sua família o via como um parasita, não aceitando nem entendo o problema de desenvolvimento afetivo de Marco.
Desta forma, a imaturidade de Marco afeta o funcionamento global de sua personalidade. Dizemos, então, que ele possui transtorno da personalidade (ou psicopata, numa nomenclatura mais antiga).
No caso de Heloisa também percebemos a imaturidade em atitudes que evidenciam egocentrismo, contestação dos limites e indefinição sexual. Além da imaturidade, desde muito jovem mostra frouxidão da conduta moral, esboçando pouca preocupação com relação a si e a outros do seus atos. A transgressão das normas sociais permeia sua vida. Não se importa com seu corpo pois usa drogas e se prostitui; e não se importa com o corpo dos outros, pois rouba e mata.
Além disso, a perversidade aparece nas ações de Heloisa.
Tanto Rodrigo quanto Marco, quando submetidos o um estresse, tendem a jogar a culpa nos outros, mas não atuam seu conflito prejudicando o outro. O que eles fazem é apenas jogar a culpa no outro, covardemente. Heloisa, diante de uma dificuldade, atua o seu conflito, ou seja, encena sua angústia mais íntima: ter sido abandonada pela sua mãe.
Esse comportamento repetitivo, típico dos serial-killers, normalmente reflete dificuldades emocionais inconscientes. Fica claro que Heloisa se identificava com seus bebês e dirige a eles toda sua hostilidade, num ritual macabro que tenta dramatizar sua própria existência, já que se sente sufocada (sem ar, afeto e amor) e incinerada (queimada, pulverizada, desvalorizada).
Assim, classificamos Heloisa como tendo transtorno de personalidade anti-social (psicopata perversa, na nomenclatura antiga).

Nesses exemplos, examinei apenas uma característica da personalidade desses indivíduos: a imaturidade. Mas muitos outros traços de personalidade podem ser notados. O fundamental é perceber o que predomina em cada paciente. Existem muitos traços passíveis de serem observados: imaturidade, persecutoriedade, dependência, retraimento, pessimismo, impulsividade, sedução, expansividade, detalhismo e muitos outros.